MITIDIERI,
Marcelo L.
1.
INTRODUÇÃO
As características do
comportamento dos materiais construtivos frente ao fogo podem desempenhar papel
preponderante na evolução de um
eventual incêndio, dificultando ou contribuindo para que um estágio crítico
seja alcançado. Tais
características dizem respeito à facilidade com que os materiais sofrem
ignição, à
capacidade de sustentar a
combustão, à rapidez com que as chamas se propagam pelas superfícies, a
quantidade e
taxa de desenvolvimento de calor
liberados no processo de combustão, ao desprendimento de partículas em
chamas/brasa e ao desenvolvimento
de fumaça e gases nocivos. A reação ao fogo está relacionada íntima e
diretamente com a combustão do
material e aos produtos por ela liberados.
A natureza da fonte de ignição e
as condições a que o material esteja exposto são fatores externos que também
participam de sua ignição.
O material, uma vez ignizado,
coloca à prova a sua capacidade de manter a combustão. Os fatores que regem esta
capacidade estão centrados no alto desenvolvimento de calor radiante da chama
e na baixa capacidade calorífica do
material.
Esses fatores estão diretamente relacionados com a definição da rapidez
de propagação das chamas sobre a superfície do material ignizado.
A contribuição que os materiais
combustíveis incorporados aos sistemas construtivos pode oferecer para o
desenvolvimento de uma situação
de incêndio, através da ignição e sustentação da combustão, do
desenvolvimento de calor, da
propagação das chamas, do desprendimento de partículas em chamas/brasa e do desenvolvimento
de fumaça e gases tóxicos é denominada, reação ao fogo dos materiais.
As características de reação ao
fogo dos materiais podem ser determinadas em laboratório, de modo isolado,
mediante condições padronizadas
que visam reproduzir determinados momentos de um incêndio.
Contudo, as variáveis inerentes a
um material, as quais se interrelacionam diretamente com o fogo são:
incombustibilidade, poder
calorífico, inflamabilidade, propagação superficial de chama, produção de gases
nocivos e de fumaça.
2 A ASSOCIAÇÃO
ENTRE AS FASES DO INCÊNDIO, AS CATEGORIAS DE RISCOS E OS
MATERIAIS
COMBUSTÍVEIS
2.1 As fases do
incêndio relacionadas com as categorias de risco
Considerando que a segurança
contra incêndio está associada à probabilidade de ocorrência de determinados
eventos que proporcionam perigo
às pessoas e aos bens, percebe-se que ela pode ser obtida através da isenção de
tais riscos. Como a isenção total de riscos, na prática, é algo utópico,
pode-se entender a segurança contra incêndio como o conjunto de vários níveis
de proteção aos mesmos.
Considera-se como categorias
básicas de riscos associados ao incêndio os riscos de início de incêndio, do
crescimento do incêndio e da
propagação do incêndio, bem como os riscos à vida humana e à propriedade.
Os riscos de início, crescimento
e propagação do incêndio estão diretamente relacionados à evolução do incêndio no
edifício e à sua propagação para os edifícios vizinhos.
A evolução do incêndio é
caracterizada por três fases: a fase inicial, (primeira fase), a fase de
inflamação
generalizada (segunda fase) e a
fase de extinção (terceira fase).
Na fase inicial, o incêndio está
restrito a um foco, representado pelo primeiro material ignizado e pelos
possíveis materiais combustíveis em suas adjacências. Nesta fase a temperatura
do ambiente sofre uma elevação gradual.
A seguir, tem-se a fase da
inflamação generalizada, caracterizada pelo envolvimento de grande parte do
material combustível existente no ambiente, a temperatura sofre elevação
acentuada, não sendo possível a sobrevivência no recinto.
A fase de extinção é quando
grande parte do material combustível existente no ambiente já foi consumido e a
temperatura entra em decréscimo.
A maioria dos incêndios ocorre a
partir de uma fonte de ignição junto aos materiais contidos no edifício. Uma vez
que o material que esteja em contato com a fonte de ignição se decomponha pelo
calor, serão liberados gases que sofrem ignição. Quando a ignição está
estabelecida, o material manterá a combustão, liberando gases/fumaça e
desenvolvendo calor. O ambiente, então, sofrerá um elevação gradativa de
temperatura, e fumaça e gases quentes serão acumulados no teto. Através da
condução, radiação e convecção do calor, poderá ocorrer a propagação do fogo
para materiais combustíveis que estejam nas adjacências.
A probabilidade do surgimento de
um foco de incêndio a partir da interação dos materiais combustíveis trazidos para
o interior do edifício e dos materiais combustíveis integrados ao sistema
construtivo caracteriza o risco de início do incêndio.
Caso haja uma oxigenação do
ambiente através de comunicações (diretas ou indiretas) com o exterior, o fogo
irá progredir intensamente, atingindo o estágio de inflamação generalizada.
Grande quantidade de fumaça e gases quentes são gerados e, os materiais
combustíveis no ambiente, aquecidos por convecção e radiação, inflamar-seão conjuntamente.
O fogo, então, atingirá rapidamente sua máxima severidade.
A probabilidade de um incêndio
passar da fase inicial para a fase de inflamação generalizada, isto é, a
probabilidade de o foco de
incêndio evoluir até atingir a inflamação generalizada caracteriza o risco do
crescimento do incêndio.
Durante esta segunda fase, os
gases quentes e fumaça gerados no local de origem podem ser transferidos para outros
ambientes, dentro do próprio edifício, através das aberturas de comunicação
entre os mesmos. Em função da alta temperatura, o fogo se propagará para esses
ambientes com maior rapidez, e os materiais combustíveis ali existentes também
se queimarão com rapidez e intensidade maiores, se comparadas ao ambiente de
origem.
As altas temperaturas e os gases
quentes emitidos através das janelas e/ou outras aberturas existentes na
fachada ou na cobertura (provocadas pela ruína parcial) ocasionam a propagação
do incêndio para edifícios adjacentes.
Com a ocorrência da propagação do
fogo entre os ambientes do edifício de origem, os mecanismos de radiação e convecção
serão acentuados, provocando uma incidência maior de fluxos de calor nas
fachadas dos edifícios vizinhos. Somente quando grande parte dos materiais
combustíveis forem consumidos é que o fogo entrará no processo de extinção.
A probabilidade de propagação do
incêndio, a partir da inflamação generalizada no ambiente de origem, para outros
ambientes e/ou edifícios adjacentes caracteriza o risco da propagação do
incêndio.
A geração de fumaça e de gases
tóxicos, a redução da quantidade de oxigênio disponível e o calor desenvolvido em
estágios mais avançados são fatos característicos das distintas fases do
incêndio e que oferecem risco à vida humana.
A probabilidade de os fenômenos
associados ao incêndio (fumaça, gases nocivos, calor e falta de oxigenação) provocarem
lesões aos ocupantes do edifício, tanto aos usuários como às pessoas envolvidas
no salvamento e combate, define o risco à vida humana.
O risco à propriedade está
presente desde o momento do início do incêndio e pode evoluir gradativamente
atingindo a inflamação
generalizada no ambiente e a propagação do fogo para outros ambientes e
edifícios
vizinhos. A fumaça, os gases
quentes e o calor danificam os materiais e equipamentos contidos no edifício,
assim como o próprio edifício (ou
seja, os seus elementos construtivos) e os edifícios adjacentes. Portanto, o
risco à propriedade é
caracterizado pela probabilidade de ocorrência desses fatores.
Quanto mais suscetível for o
sistema construtivo à ação do incêndio, maior será o risco à propriedade. O
colapso estrutural de partes do edifício pode implicar em danos à áreas não
atingidas pelo fogo e também à edifícios vizinhos.
2.2 A evolução
do incêndio e sua relação com os materiais combustíveis
Na primeira fase do incêndio, a
reação ao fogo de um material é de extrema importância, ou seja, são
fundamentais a forma e a
magnitude com que o material libera o calor. Este calor pode aumentar a
velocidade das moléculas do próprio material, ocasionando o desprendimento de
gases para a superfície do mesmo. Estes gases podem atingir uma concentração
ótima, permitindo sua inflamação e a propagação da chama para os materiais
combustíveis que estejam nas adjacências.
Na segunda fase, a da inflamação
generalizada no ambiente de origem, o calor liberado e as consequentes
chamas originárias da fonte
incumbem-se da propagação do fogo para os materiais combustíveis vizinhos, como
uma reação em cadeia. A reação ao fogo nesta fase, assim como na primeira,
apresenta imprescindível
importância para retardar a
ocorrência da inflamação generalizada.
É comum, nesta fase, as pessoas,
por falta de informação, sentirem-se impotentes diante do fogo, o que gera
pânico e contribui para o
desenvolvimento do incêndio. Portanto, a importância da orientação do usuário
do
edifício, bem como a formação de
brigadas de incêndio (compostas por pessoal da vigilância, manutenção,
administração e usuários comuns)
é relevante para esta fase.
Na terceira fase, o incêndio já
consumiu a maioria dos materiais combustíveis existentes no ambiente. Não mais importa
a forma com que o calor está sendo liberado ou como as chamas estão se
desenvolvendo.
2.3 A reação ao
fogo e as fases do incêndio
Se observarmos um incêndio desde
sua primeira fase, nota-se que a reação ao fogo dos materiais é a grande
protagonista do sinistro. O odor
liberado, a fumaça desenvolvida, a solicitação de socorro aos bombeiros, etc. ocorrem
em função da reação ao fogo dos materiais.
Já na segunda fase de
desenvolvimento do incêndio, tanto a reação como a resistência ao fogo
desempenham
papéis importantes devido à
propagação de chamas pelos ambientes do edifício de origem e pelos edifícios
adjacentes, através de portas,
janelas ou qualquer outra
abertura constante nas paredes, tetos e pisos.
A reação ao fogo dos materiais
não interfere na terceira fase do incêndio, pois os materiais combustíveis
presentes no ambiente já
produziram seus efeitos.
3.3 Determinação
da densidade ótica de fumaça
O desenvolvimento de fumaça e
gases tóxicos está presente durante todas as fases de um incêndio e, dependendo
das condições em que a combustão dos materiais se processa, poderão ser
desenvolvidas diversas substâncias, nas mais variadas concentrações.
Considerando as dificuldades em
definir os valores letais dos produtos tóxicos liberados na combustão para se estabelecer
uma seleção confiável dos materiais, esta variável, de certo modo, vem sendo
pouco considerada.
Deve-se registrar, contudo, que a
capacidade de obscurecimento da fumaça gerada pode oferecer dificuldades com
relação à visão humana.
3.4 Verificação
da incombustibilidade
Verificar se um material pode
sofrer ou não ignição e contribuir para o crescimento do fogo é de extrema
importância, isto é, a sua
classificação como combustível ou como incombustível é muito útil para uma
seleção.
3.5 Determinação
do poder calorífico superior
No controle da quantidade de
materiais combustíveis incorporados aos elementos construtivos, dois objetivos devem
ser destacados: o primeiro é dificultar a inflamação generalizada e o segundo é
limitar, uma vez ocorrida a inflamação generalizada, a severidade do incêndio,
dificultando sua propagação para outros espaços, além do ambiente em que se
originou.
Muitos materiais combustíveis vem
sendo utilizados como revestimento/acabamento de tetos e paredes e como parte
integrante de sistemas construtivos, o que pode facilitar o crescimento do
incêndio não somente pelo aumento do potencial térmico que eles constituem, mas
também por apresentarem superfícies contínuas, capazes de contribuir para um
incêndio ao sofrerem ignição e transportarem as chamas para outros materiais combustíveis
existentes no ambiente.
A limitação da severidade do
incêndio está diretamente ligada ao volume de material combustível envolvido e
à quantidade de calor que os mesmos podem desenvolver.
Sabemos que quanto maior for a
quantidade de material combustível envolvida, maior severidade o incêndio
poderá assumir, o que aumentaria
seu potencial destrutivo e possibilitaria sua propagação para outros ambientes do
edifício.
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